terça-feira, 25 de novembro de 2008

Destroço, de Luís Serpa

Quando a vontade de escrever, o jeito e a imaginação escasseiam, é sempre bom encontrar um post destes para o copiar. Retirado do Don Vivo do Luís Serpa, uma referência cada vez mais brilhante.

Destroço

Quando a encontrei era um destroço, devastada por passados que a perseguiam como "facas lançadas por um artista de circo a uma roda que não sabe para que lado girar". Levei-a para casa, dei-lhe de comer e disse-lhe para ir dormir. "Há muito tempo que para mim o sono", explicou-me, "não passa de uma sucessão de pesadelos". "Não são os passados. São os futuros. E não há nada a fazer: tens que passar por lá", respondi. Um dia disse-me "o futuro é um passado que se enganou, graças a ti".

M.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Neptuno na Horta



A cidade da Horta é para mim o que se pode chamar de “o” porto de abrigo.

Para além de ser um pequeno grande paraíso no paraíso que são os Açores, tem um ambiente único e indescritível, onde o urbano, o rural, o mar e os marinheiros se misturam.
É um porto por onde passam e chegam velejadores de todo o mundo que fazem travessias oceânicas e que trazem na cara e postura a marca dos humores do mar. Tem uma mística que não é traduzível por palavras Raramente é um destino em si mas mais uma paragem num qualquer percurso.
É um porto de abrigo Além Mar.
Daqueles em que apetece ficar mais uns tempo mas que como a viagem tem que continuar se parte.

Infelizmente ainda não tive a oportunidade de aí chegar de veleiro. Aliás, oportunidade tive mas na altura foi impossível aceitar. Há de acontecer. E quando isso acontecer, tenho a certeza que vou ficar ainda mais apaixonado por aquele lugar.

No verão, o mar por aquelas paragens costuma ser relativamente calmo e sereno, tirando uns dias de mau humor. No Inverno a conversa é outra. O oceano não se nega a mostrar toda a sua força e dimensão.

Dizem que no dia 15 de Fevereiro de 1986 ocorreu a maior tempestade do século XX nos Açores De acordo com os relatos, nesse sábado à tarde, o vento atingiu velocidades na ordem dos 250 km/h, as ondas alturas entre 15 e 20 m e que a rebentação das ondas chegou a atingir os 60 m.
Este mau humor da natureza foi registado por José Henrique Azevedo, o actual “patrão” do famoso “Peter Café Sport”, na cidade da Horta (Ilha do Faial), o qual tirou uma série de fotografias do efeito do mar durante a tempestade.

Dois anos depois, querendo mostrar o acontecimento com mais facilidade aos iatistas, José Henrique passou duas das fotografias, de diapositivo a papel. Descobriu então que, no momento em que tinha tirado uma delas, se tinha formado, na rebentação da onda, uma figura humana (cabelo, olhos, nariz, boca e barba) dando-lhe o nome de "Neptuno na Horta".


Numa visita à Horta, contaram-me que a primeira pessoa a identificar a imagem de Neptuno, terá sido um residente da ilha que era surdo-mudo... Não sei se é verdade ou não. Já se sabe como é estas coisas do ouvi dizer.
Mas isso agora não interessa nada. O facto é que é uma imagem que me fascina e à qual não consigo ficar indiferente... por esse motivo está na parede da minha casa (ou esteve até à pouco tempo, dado que foi temporáriamente substituido).

Sendo a Horta um local especial e místico, para mim faz todo o sentido que tenha sido visitado por Neptuno.
Certamente que não há nada de místico numa onda que por acaso forma uma imagem que pode ser mais ou menos forçada. Agora o que é místico é ter sido registado. O acaso ganha proporções gigantescas.

É que há momentos em que acontecem coisas, sejam elas coincidência ou não, que por serem tão improváveis e poderosas, nos deixam... assim. Sem reacção.

M.