domingo, 23 de maio de 2010

Maio no mar

O mar do fim de Maio é o mais limpo de todos. Muda de cores todos os dias. Discutimos se foram mais bonitas ontem do que hoje. A água está quente, mas ninguém acredita. Pensam que a água do mar liga alguma coisa à temperatura do ar. O mar é dos ventos e da lua e do fogo de dentro da terra. O sol conta pouco. Estamos enganados.

Estamos no verão relativo, que ainda vai causar muitas desilusões e quedas na realidade. Anteontem nadei como um peixe, mais de uma hora, numa das praias que marcam o fim da paciência do Oceano Atlântico. O meu irmão Paulo, marinheiro e náufrago, diz-me que estas ondas são ecos das ondas sérias de alto mar. A mim assustam-me. Também Drácula não era um rapaz novo. As ondas do fim de Maio também não.

A verdade é que o mar não segue o tempo. Embravece consoante lhe apetece. Seja Agosto ou Dezembro; hoje ou anteontem; lua cheia ou lua nova. Falar no mar do fim de Maio é tão estúpido como falar nas mulheres na Terça-feira à tarde. Apesar de o mar ser mais parecido com as mulheres do que os homens. Pelo menos para os homens que gostam de mulheres. Ninguém sabe – isso já é sabido. O que é mais engraçado (está mais cheio de graça) é que ninguém se atreve a adivinhar.

Banhos de mar; banhos de vento; banhos de água doce. Meses; Maio; o mês mais enganadoramente primaveril de todos os que temos. Cada dia é uma sorte. Cada dia é uma morte. O nosso erro é pensarmos que estamos sempre a renascer.

Miguel Esteves Cardoso, Público, Domingo, 23 de Maio.


Não é um regresso. É uma adenda .
Para ficar mais completo.
... impulsos.

M.