quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Notas de viagem - Ida

Dias de bom convivio, com excelentes jantares, muita serenidade e bom ambiente. Mares batidos e intensos sem ser em demasia. Mares calmos e serenos sem ser em demasia. Houve de tudo. Navegou-se sempre que possível à vela e aprendi mais do que esperava. Venci alguns medos e receios do leme mas não todos.

Noites de luar intenso com turnos solitários que amo fazer, passadas deitado no convés a ouvir música, a ouvir o mar, a pensar e sonhar. A brincar com o leme e fazer competições de eficácia com o piloto automático que ligava e desligava alternadamente e que gosto de acreditar que venci por não deixar o barco bater tantas vezes na ondas maiores e conseguir atingir maiores velocidades. Rir-me por saber que no fundo ele vence ao manter infléxivelmente e precisamente o rumo certo. Sorrir por dentro ao ponto de ficar emocionado. Visitas de seres apaixonantes que avisam a sua chegada ao meu lado com saltos ao luar e expirações sonoras. O momento alto foi numa noite serena em que deixei o piloto automático brincar sózinho. Sentei-me à proa com os pés sobre a água, a fumar um cigarro e sentir aquele doce embalo: Eles aparecem num número que não consego contar e acompanham-me por um tempo que me pareceu infinito. Assobiei-lhes enquanto ali estiveram e quis acreditar que eles respondiam quando ouvia os seus sons debaixo de água.

Lua que se põe e deixa aparecer um céu esmagador carregado de estrelas. Um número sem fim de estrelas cadentes que riscam o céu às quais inicialmente peço alguns desejos e que desisto de o fazer porque os desejos que peço são poucos e alguns deles tenho dúvidas que seja boa ideia vê-los concretizados. Resumi a coisa a ser feliz e viver intensamente, sendo que um está dependente do outro e ambos dependentes de outras coisas que não faço ideia quais são.

Momento estranhos e algo tensos com uma visita ao cair da noite de um semi-rigido preto, com 2 brutos motores, três marroquinos bebados e um convés totalmente preenchido por jerricans de combustivel no meio do nada, a 40 ou 50 milhas da costa ao largo do Golfo de Cádiz. Foi uma noite de vigia passada a olhar para cima do ombro e à espera de a qualquer momento ouvir o som dos motores a aproximarem-se, com dois longos cabos ao meu lado, preparados para serem atirados à proa do mesmo se tal acontecesse conforme instruções do skipper e a perceber porque é que até pode ser válido haverem armas de fogo a bordo, ainda que por norma seja totalmente contra esse tipo de coisas e tenha uma aversão quase repulsiva às mesmas.

Momento igualmente estranho com a passagem de um submarino a meio da noite perto de nós.

Um balão (spi - aquela vela colorida que vai à proa) novinho em folha rebentado ou melhor desintegrado com uma refrega um pouco mais entusiasmada a seguir a bater duas vezes. Para informação futura ficámos a saber que o mesmo é para ser arreado aos 20 nós de vento ou, em alternativa, há que haver sempre alguém junto ao molinete para o caçar e folgar. Caíu à água mas felizmente não se enfiou debaixo do veleiro, pelo que em pouco tempo foi recolhido sem grandes stresses. Sem querer ser maldoso acredito que a culpa foi do piloto automático. Mas isso é só a minha opinião.

Passágem junto a Tarifa, a fazer um bordo rasante à Punta Marroqui,que são para mim dois locais mágicos. Amo aquele sítio e já tive o privilégio de mergulhar nos naufrágios que ali há numas mini-férias que simplesmente adorei e que quero reviver assim que puder. Tenho saudades de me perder ali e de reencontrar os meus cantos onde em dados momentos fui genuinamente feliz.

Passagem por Gibraltar à vela, com vento e corrente a favor, a toda a velocidade e no meio de um tráfego de navios gigantes... indescritivel.

A opção de perder a noite de sábado em Ibiza em favor de continuar a navegar à vela e fazer o rumo necessário para o efeito, o qual era mais longo, para além de não me preocupar minimamente mereceu toda a minha aprovação e satisfação ainda que tenha lido nos olhos de P. uma certa tristeza por perder uma qualquer festa da espuma prometida pela qual ansiava. Não faz mal. Já lá esteve 4 vezes e certamente irá umas outras tantas. E quem sabe se eu ainda o acompanho.

M.