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quinta-feira, 24 de maio de 2012

Malta - O resto.


O resto, bom. Foi estranho.

O mar manteve-se partido da tempestade mais um dia. Ondas desencontradas, incertas e mal humoradas mas a acalmarem com o passar do tempo.

Percebemos entretanto o que se passava com o piloto automático e leme. Uma cena qualquer do hidráulico que não sei explicar muito bem mas que se resumia a não compensar para um dos lados. E o piloto não sabia lidar com isso. Nós sabíamos um pouco mais mas não muito mais. Era uma questão de tentar levar o mais a direito possível. O motor deu-lhe um chelique qualquer e não voltou a funcionar como deve ser. Começou a falhar depois da tempestade e essencialmente em cada 5 segundos ia quase a baixo e voltava a tentar acelerar, o que garantia a fabulosa velocidade de 3 ou, nos momentos de loucura, 4 nós. Para se ter uma ideia 3 nós é a velocidade máxima em que se navega nas marinas. E o vento caiu. Demasiado.

O P. passou uma data de horas enfiado no buraco do motor, sempre que havia um pouco de vento para irmos à vela, a desmontar aquilo tudo para ver se descobria o problema. Fiquei a perceber um pouco de mecânica com estes exercícios práticos. Como havia pouco vento e motor, o piloto não respondia bem por isso fiz também uma data de horas de leme e navegação à reagata, ou seja atentamente a aproveitar o melhor possível as bufas de vento, enquanto só via os pés do P. que estava enfiado no buraco do motor.

De resto, ia-se naquele tuc tuc tuc podre e arrítmico por ali fora. Valeu um número infinito de golfinhos que inúmeras vezes nos visitaram e acompanharam. Pode ser que estivessem a gozar connosco e espalharam pelas redondezas que valia a pena visitar-nos. Prefiro pensar que estavam solidários. Ou sentiram-se atraídos pelos barulhos estranhos do veleiro no qual, para além do motor, se incluía o baque-baque do patilhão (rebatível) que acontecia porque na doca seca alguém se esqueceu de pôr os calços de madeira que evitariam que balançasse.

Não se descobriu o problema no motor nem se conseguiu arranjar o leme. Rumámos a Cagliari, Sardenha para reparações. A dado momento conseguimos ter rede para darmos notícias para casa e o dono do barco. Percebemos que estava tudo um bocado em pânico por já terem passado demasiados dias sem notícias. Achavam que estaríamos a chegar a Malta por aquela altura. O dono do barco já tinha um mail preparado para enviar às diferentes capitanias e lançar um alerta à nossa procura.

Serenadas as hostes lá na terra, dei um mergulho retemperador no mediterrâneo que ainda não tinha a temperatura quente que conheço mas que soube pela vida. Bebemos uma cerveja para celebrar o fim daquele etapa, depois outra e mais umas quantas e fizemos um belo jantar que comemos cá fora, com a uma garrafa de tinto que fez todo o sentido abrir naquele momento. Ao anoitecer estávamos a umas 20 milhas de cagliari. Ou menos. Atracámos na marina já dia alto, para o que ajudou ter desaparecido o vento (um cliché quando chegamos a algum lado à vela) e passada a barra, por ser noite, nos termos enganado e ido para o lado do porto em vez da marina. É que a plotter não tinha as cartas do mediterrâneo, as cartas em papel não têm esse nível de detalhe e não sacámos essa informação da net quando saímos. Não é fácil entrar num porto desconhecido à noite. O motor parecia que ia dar o peido mestre a qualquer momento e chegámos a pensar fazer turnos dentro da barra. Mantinha-se mesmo assim o sentido de humor. A alternativa era desatar à chapada um com o outro ou amarrar aquela barco amaldiçoado a qualquer coisa e lixarmo-nos para aquilo tudo.

O armador tinha marcado um lugar na marina para nós e pedido um mecânico. Fomos a terra beber um café e tratar das formalidades. Depois descansar enquanto o mecânico não vinha. O P. ficou a dormir. Eu dormi um pouco, calcei o chinelo e fui perder-me para o centro da cidade. Voltei ao barco à hora marcada. O mecânico só podia no dia a seguir. Duche retemperador, jantar obscenamente caro que achámos que o armador nos devia num restaurante ali perto. Um dono de restaurante impecável que nos acolheu e serviu uma data de rodadas por conta da casa. Cafés e limoncello’s uns atrás dos outros na esplanada. Apresentam-me algo ainda melhor que limoncello: o Mirto. Fico fã e insisto em provar várias vezes para confirmar. Combinamos voltar na manhã seguinte para levarmos pão fresco na viagem, água e duas garrafas do que andámos a beber.

O capitão volta para o barco. Não consegue descontrair enquanto não tiver o motor arranjado e perceber o que é. Lembra-se de numa situação semelhante um mecânico uma vez lhe dizer que o problema era falta de juntas. Ele pergunta: juntas? O mecânico confirma: Sim. Juntas essa merda toda e jogas fora.

Eu vou perder-me nos cantos escuros e imprevistos da noite de Cagliari. Volto de manhã. Satisfeito e cansado.

O mecânico no dia a seguir também não vem à hora marcada. Diz que só á tarde. O P. irrita-se e reinicia pela enésima vez desmontar o motor. Quando acordo acha que conseguiu resolver o problema. Trabalha certinho e manso. Óptimo. Vou buscar as provisões ao restaurante, beber um último café, despedir-me daquela malta que nos acolheu bem, tomar um duche e voltar para o barco. Largamos com optimismo. É 6ª feira ainda com bastante dia pela frente. Com sorte, a motor, chegamos no sábado à noite a Malta. Nada mau.

O vento está bom, 20 nós de popa. O motor também. Içamos velas e voltamos a ter o prazer de fazer médias acima de 5 nós. Durou pouco. Umas duas ou 3 horas. Ainda com terra à vista o motor falha. Depois o tal vau que nunca mais nos lembrámos partiu-se de vez. O brandal estava solto e o vau ali pendurado. Desanimamos. Decidimos voltar para trás. O vento carrega só para chatear. 25 nós vento pela proa mais corrente, só de genoa e motor soluçante. Ah, e a plotter deixou de marcar a posição de GPS. Atracamos na marina a passar das 8 da noite. Jantamos a bordo. O capitão fica a bordo. Eu volto às ruas de cagliari, desta vez num registo mais calmo. Volto a um bar onde tinha estado na véspera. O dono, um porreiro, vê-me e pergunta-me: hey! Não devias estar a caminho de Malta? Sorri e disse que pelos vistos Cagliari quer-me aqui mais uma noite. Coisa que não me chateia nada. Não me deixou pagar nada e isso soube bem. Ficou prometido que se tivesse lá na noite de sábado, pagaria eu as rodadas.

Voltei a horas decentes ao barco. Não só por vontade mas porque estava na época de uma qualquer coisa religiosa importante na ilha que envolvia passear um santo pelas terras, sendo que 6ª feira era o último dia e o dia de regresso do mesmo a Cagliari. Havia um certo aroma de conservadorismo no ar e a noite estava calma. Era uma boa noite para dormir.

De manhã cedo disseram-nos: “não há mecânicos ao sábado”. Olhámos um para o outro e pensamos… ok. Sábado e domingo aqui, 2ª feira sabemos lá se o mecânico aparece ou se existe mesmo essa figura mítica. Decidimos arranjar o brandal e vau e partir. Ao som de Bandarra e depois Jorge Palma que berram do meu portátil sobe-se ao mastro, desmonta-se aquilo, o P., que é uma espécie de Macgiver, inventa ali uma peça de encaixe elaborada e eficaz, volta-se a montar a coisa e dá-se carga como deve ser nos brandais, coisa que devíamos ter feito antes de sairmos de Portugal, culpa e negligência tanto de quem fez a manutenção do barco e nossa por não o termos confirmado. Aproveitamos e fazemos outros arranjos secundários. O motor nem lhe mexemos.

Estamos o dia todo naquilo. Comemos, tomamos banho, bebemos de novo o último café e ao fim da tarde de sábado largamos com a chuva a cair. O motor não demora a voltar ao seu ritmo mas agora ao menos podiamos ir á vela. O piloto automático também mostra má cara a maior parte do tempo

Chegamos a Malta a meio da manhã de 4ª feira, já com o nosso vôo de regresso perdido.
 Depois de duas noites de relâmpagos e trovoada, uma das quais em cima de nós onde amaldiçoei o leme de cada vez que tinha de vir cá fora ajustar o rumo e irritei-me a sério com o barco. Borrei-me um bocado e a dado momento não queria saber se íamos na direcção da Tunísia ou China enquanto os relâmpagos não saíssem dali.
Depois de um momento surreal em que ía eu ao leme com 4 nós de vento, começam a entrar 7 a 10 nós de vento, vou todo contente içar a vela grande e abrir a genoa a pensar: agora é que é! O vento vinha com uma nuvem baixa com aspecto de poucos amigos. E agora é que era: Em menos de 10 minutos instalam-se confortavelmente 40 nós. Chamo skipper e rizamos as velas. Dura uma hora naquilo, depois acalma e fica-se pelos 20 a 25.
Depois de uma manhã inteira a percorrer a costa com 1 a 2 nós de vento para chegarmos à marina.

Foi um transporte pouco descontraído. Com pouco descanso. Com poucos momentos de descontração e leitura, fosse pelo vento em excesso ou pela falta dele. Foi uma viagem estranha. Aprendi bastante. Venho com calos nas mãos de tantas horas ao leme.Acho que cresci.

É um texto demasiado longo, eu sei. Mas a viagem também o foi.
Ainda não sei se o faria de novo. Acho que sim.

M.

Malta - Tempestade Imperfeita

Não sei porque ando a adiar escrever sobre a viagem ou mesmo o resto. Acho que ainda estou a digerir a coisa. E com mais vontade de fazer coisas do que propriamente falar delas. De qualquer maneira foi isto:


Percurso sem história até Gibraltar, onde parámos a meio da manhã para comprar tabaco (muito), beber um café, comer um gelado, atestar o depósito do veleiro mais 6 jerricans que nos deveriam garantir a chegada a Malta sem escalas. Até lá deu para perceber que o veleiro era mesmo um chaço mas o motor aguentava-se bem e garantia uma média de 6 ou 7 nós o que era mais que suficiente. O piloto automático nem sempre se aguentava bem mas não ligámos muito. Havia tempo para ver o que se passava.

Estivemos menos de duas horas em Gibraltar, espreitámos as previsões para os próximos dias que foram confirmadas pelo contacto que tínhamos em terra (lá na terra): carregava um bocado de vento (20 a 30 nós) nos dois ou três dias seguintes e depois desaparecia o vento e o pouco que havia seria de proa. Como nos disseram, “é aproveitar agora” para fazer milhas.

Já estava mais recuperado dos estragos de uma deliciosa noite de despedida em terra. E optimista. O ambiente a bordo estava bom, tínhamos despachado uma cabeça de leitão assado à largada, os turnos eram longos e descontraídos e o mar era nosso.

Originalmente tínhamos pensado subir e seguir num arco ao largo de Ibiza, Las Palmas, Sardenha e Sicília, tanto para evitar a costa no norte de África como para estarmos mais perto da costa “civilizada” do que da outra caso acontecesse algo que nos obrigasse a ir a terra. Não foi nada disso que aconteceu. O vento e mar estavam favoráveis, havia que aproveitar o vento que vinha, o motor não gastava muito e assim decidimos ir directamente para Malta num rumo a apontar algures entre a Sardenha e Sicília e logo se via se precisávamos de parar numa destas para abastecer. Tinha a esperança que sim.

Na manhã do dia seguinte o horizonte estava estranho. Pensei: isto vai carregar. Havia algum vento e mar com vaga pequena, dava para ir navegando bem entre motor e vela. A meio do dia o vento fixava-se nos 20 a 25 nós. Um pouco mais tarde nos 25 a 35. O mar crescia com o passar das horas. Sempre a favor, com ondas de 2 a 4 m. Íamos a surfar. O piloto automático já não se aguentava e o leme tinha que ir na mão. Ia eu num misto de medo e excita da adrenalina. O vento começa a tocar nos 40 nós. Desço uma onda a 10 nós e qualquer coisa de velocidade que nunca mais acabava mas mesmo assim não tive tempo de ver o quanto era o qualquer coisa. Começava a sentir-me desconfortável porque o barco tinha reacções estranhas e eu não o controlava bem. Era altura de passar o leme a quem percebe do assunto. Tínhamos recolhido a genoa. Mas estávamos contentes. Afinal as previsões batiam certo e assim chegávamos a Malta num instante. Eventualmente em menos de uma semana, a tempo de passar lá o fim de semana. O voo de regresso seria só na 4ª feira seguinte. Perfeito.

Numa cambadela parte-se uma alça da retranca. Muda-se a escota para a outra. Esta parte-se também. Improvisa-se uma alça com um cabo. Pelo meio rasga-se um pouco a vela grande. Nada de grave. Estava só “esfuracada” mas sem abrir mais. Mais para o fim da tarde as refregas tocavam cada vez mais vezes nos 40 nós. Tudo bem. Aguenta-se bem, o skipper é experiente e o barco ainda não se queixou. E mais tarde ou mais cedo aquilo haveria de passar. Provavelmente mais cedo. O skipper também não percebe bem algumas reacções do veleiro. Pode ser pano a mais. Não temos o rizo da grande passado. Já se vê. Vamos brincado com o acontece.

Depois de outra cambadela ouve-se um clack, vejo-o a olhar para cima com um ar preocupado e a dizer “acho que vamos ter problemas com o mastro”. O vau de bombordo estava meio partido e a querer soltar-se. Camba-se a grande outra vez para não forçar e ficamos a olhar para aquilo. Partir-se um mastro é grave e é coisa que não quero experimentar. Decidimos arrear a grande. É sempre nessa altura que o vento carrega e as ondas crescem. Estava estável nos 40 nós. Com aquele vento e mar ir ao mastro arrear a vela é coisa para não ser uma experiência agradável. Espera-se que acalme um pouco, aproa-se o barco ao vento e às ondas, faz-se a coisa com a calma e concentração possível e não corre mal. Fuma-se um cigarro a seguir com uma mini para descontrair o coração que entretanto disparou.

O vento começa a tocar nos 45 nós com frequência e as ondas não param de crescer. Espera-nos uma noite longa. A partir daí sento-me ao pé do skipper e dedico-me às funções “apoio moral” e “apoio técnico” que consiste basicamente em acender cigarros, abrir cervejas, ir buscar comida e água, afinar a genoa, ir lá dentro buscar comida, ver o nível de água nos porões, apanhar as coisas que vão caindo das prateleiras com as inclinações repentinas do barco, incluindo um velho portátil que lá estava que fez um voo directo da mesa de cartas para a cozinha, marcar a posição na carta, esperar ordens e dizer parvoíces enquanto ele controla o bicho. Oiço com frequência uma espécie de alarme baixinho que não percebo de onde vem e que o P. não ouve. Começo a achar que ouvir campainhas pode não ser bom sinal. Passado um bocado percebo que o som vem do anemómetro que está ao meu lado e que toca o alarme de cada vez que o vento passa dos 45 nós. Tocou bastantes vezes. Anoitece.

Apanhamos uma onda mais entusiasmada nas costas e pouco depois enfiamos o barco de lado numa outra que trouxe água até ao joelho no poço. Rimo-nos, mudo para a roupa e botas de mar. Pego no leme para o skipper fazer o mesmo e cada segundo que ali estou parece uma eternidade. Supomos que as ondas andam nos 6 a 7 metros mas está escuro, não queremos exagerar e isso não interessa para o efeito. Estão grandes. Devolvo o leme a quem sabe. Só volto a tocar no leme às 2 da manhã, quando o P. já não aguentava mais de dores nos calcanhares e vontade de mijar. Sim, fiquei a saber por experiência própria que o que fica a doer mais a fazer leme num veleiro é a porra dos calcanhares… A dado momento parece que nos estão a espetar agulhas e ali, com certos mares e ventos não há outra opção senão aguentar e ir em pé. Peço-lhe para mijar ali no poço em vez de ir lá dentro e vou tentando gerir o caos. Ele faz-me a vontade, senta-se, descansa um pouco e volta ao leme. Há um momento em que aquilo perde a piada e se pensa: “Esta merda não pára? Não acaba?” Começa-se a pensar que se está mesmo no meio do mediterrâneo, já não vemos nenhum navio há umas horas valentes e que nada indica que o temporal acalme. Antes pelo contrário. E pensa-se e se isto continua um dia. Ou dois. E o mar sempre a crescer? Sabe-se que mais tarde ou mais cedo o cansaço vai vencer o skipper e não se quer ser a opção para ir para o leme já que a probabilidade de fazer asneira é grande. Pensa-se que o cenário já esteve melhor, o skipper com um ar menos preocupado, cada clack vindo do mastro e do estai inquieta, e sente-se pela primeira vez medo que a coisa não corra bem. Começamos a questionar a nós próprios como é que se abre uma balsa e se salta lá para dentro naquele mar. Just in case. Fumam-se cigarros e o silêncio das vozes ocupa espaços cada vez maiores. Deixa-se de ligar às paredes de mar que se formam nas costas do P e que ele não vê. Ali não há merdas, adereços nem blufs e ficamos só o que somos. Pensa-se que para ele seria bem mais fácil e útil ter ali ao lado alguém que se sentisse mais à vontade para ir fazendo turnos ao leme e nesse momento sentimo-nos relativamente inúteis. Amaldiçoa-se a inexperiência. Questiona-se se somos feitos para aquilo.

Depois pensamos que não adianta de nada estar a pensar isso nesse momento. Há um navio que aparece no meio daquele caos, contorna-nos de perto, anda ali um bocado ao nosso lado num rumo parelelo como se a ver se está tudo bem e segue caminho. E saber que ali perto, ao alcance do VHF há um navio que nos viu, parecendo que não mas descansa bastante. Sente-se um sorriso interior e o ambiente alivia um pouco. Rimo-nos de novo.

Aquilo começa a ameaçar acalmar. Não sabemos se vai recuperar o fôlego com o nascer do dia ou se acalma mesmo. O vento baixa lentamente e volta para os 30 a 40 nós. Vou eu para o leme. O P. está exausto. Indica-me a estrela brilhante que aparece de vez em quando entre as nuvens e que lhe serve de guia alinhada com o estai e o mastro. Sigo-a fielmente porque garante que vamos no rumo certo e mais importante de tudo, que vamos com as ondas. Sem nos metermos com elas. Acho que nunca fixei tanto uma coisa. Acho que nunca amei tanto um ponto de luz. Depois de estar ali um bocado ao meu lado P. vai dormir. Antes disso ponho o arnês para me sentir seguro. Volta e meia aparecem não se sabe de onde umas ondas de través que rebentam no barco e baralham tudo. Malditas ondas de lado. São umas cabras com p. Malditas nuvens que insistem em tapar a bendita estrela quando é preciso corrigir rumos. Com as horas tenho mudar de estrelas que Ela está no topo do mastro e já me dói o pescoço. Nunca mais amanhece. Nunca mais baixa o vento para valores civilizados. O barco continua a ter reacções estranhas. E aquilo cansa.

Ganho coragem para acender o primeiro cigarro sozinho. Depois outro. Tento aliviar a tensão em que vou. É um desgaste físico desnecessário. O céu começa a clarear. E já se vêem as ondas e para onde vamos. O sol nasce atrás das nuvens, tudo parece um pouco melhor apesar de a fúria das ondas estar visível, não se saber se é melhor ver ou estarem tapadas no escuro e quer-se acreditar que o pior já passou e não volta.

Passam-se umas horas nisto, resiste-se uma data de vezes à tentação de chamar o P porque não queremos mesmo estar ali mas pensa-se que é melhor aguentar agora para o caso de voltar a carregar ele estar descansado. É um potencial mal menor. E quando não se aguenta mais, berra-se o nome dele para o acordar e vir substituir antes que se faça alguma asneira. O pior já tinha passado.

E vou dormir.



M.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

8 e 9








Não me borrei mas pouco faltou.

Uma tarde e uma noite até ás 2 ou 3 da manhã nisto um dia depois de sairmos de gibraltar bem a meio do Mediterrâneo.

Só passou para baixo dos 25-30 nós a meio do dia seguinte.


M.

Um el Faroud



Prenda de aniversário de mim para mim.










Não era suposto estar ainda em Malta no meu aniversário. Nesse dia deveria estar em portugal há uns 2 ou 3 dias, provavelmente no comboio a caminho de Lisboa para jantar com a familia e beber um copo com amigos.

Não foi o caso e a estar em Malta, há que aproveitar.

Acordar inesperadamente cedo no quarto de hotel com o ressonar do skipper. Ocorrer e decidir no momento procurar um centro de mergulho algures ali perto em alternativa a tentar dormir mais um pouco. Afinal era o meu aniversário e último dia ali.

Encontrar um bom centro de mergulho à primeira, falar com a dona simpática e profissional que me diz que vou mergulhar sózinho com o guia. Aparecer um guia gordo na casa dos 40 com ar bonacheirão mas pouco motivador e achar que é com ele que vou mergulhar.

Afinal fui com uma guia gira e algo louca, inglesa que anda a viajar pelo mundo e ali vive à cerca de 2 anos, que sabia o que estava a fazer e doseava convenientemente o flirt “profissional” para manter o cliente com um sorriso na cara sem no entanto convencer-se que era convincente o suficiente para ser levada a sério. Um mergulho nos limites teóricamente inadmissíveis que só aconteceu porque ambos sabíamos o que estávamos a fazer e ninguém gastava muito ar. Nem entrava em stress.

uma carteira perdida junto ao carro dela, que chegámos a pensar que tinha sido roubada enquanto nos despiámos. Um gelado e café cheio de risos e parvoices acompanhado de um saboroso cigarro com vista para um mar soberbo.
Dificilmente conseguiria fazer melhor.


Memorável. Bastante perfeito.

M.

De volta

Desde sábado.

Ainda a recuperar.

M.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Ponto de Situação (IV)

O mais importante de tudo é que dei  hoje formalmente entradada da papelada necessária para dia 1 de Junho sair daquele antro que me emprega há 10 anos. Quis fazê-lo hoje considerando que amanhã é 25 de Abril, dia da liberdade. Celebra-se esta noite as liberdades e a sensação posso dizer que é no minimo, saborosa.


O segundo mais importante de tudo é que embarco amanhã para Malta. Fomos ver o veleiro à boia e confirmar- se não nos tinham roubado os mantimentos. Tudo em ordem e pronto.

Amanhã é dia de acordar, ir ao mercado comprar frescos, carregar as tralhas para o barco e largar.

Hoje é noite de celebrar.

Até ao meu regresso e Viva a Liberdade.

M.



sexta-feira, 20 de abril de 2012

Adenda ao ponto de situação

O leme funciona. Era mesmo falta de óleo. As escotas da genoa estão passadas. Esta manhã o barco já estava na grua à espera da maré para ir para a água e neste momento já está na boia.

Ao sms que mandei ao skipper a perguntar “ao menos anda. E o que achas? 10 dias chegam?” ele respondeu “pelo menos dá para começar”.

 Logo se vê o que isto quer dizer.

Tudo a andar.

M.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ponto de situação III

Falta uma semana.
Casco pintado, lockers arrombados, barco totalmente vasculhado, cana de pesca (fraquita) encontrada, o grosso das compras está feito e arrumado no seu sitio. Foi a primeira vez que estive neste processo de escolher o que se leva. É engraçado isso e programar o que se vai comer e beber durante cerca de 10 dias, com a alternativa de menú de bom tempo e menú de mau tempo. E mimos, claro. Nem eu nem o skipper somos fãs de beber (muito) a navegar por isso vão só duas garrafas de vinho (ele é mais cerveja). Uma para ir bebendo e outra melhor que será aberta quando houver algo que justifique um brinde. Depois vão 3x24 minis que tenho esperanças que uma  das caixas seja para o dono do barco quando lá chegarmos ou gastas numa qualquer marina em que queiramos ou precisemos de parar. Vão 4 guiness que farão a vez do bom vinho. Uns patés especiais de corrida e o resto é enlatados de toda a variedade. Os frescos compramos no dia da partida. Vamos tratarmo-nos bem e tenho uma certa curiosidade ver quanto daquilo que comprámos vai ser consumido.

Hoje levámos 6 jerricans de gásoleo para atestar o depósito e vermos quanto vai gastar até Gibraltar. Enchemos o depósito de água, carregámos as baterias e testámos os instrumentos e luzes. Percebemos que o radar tem aquele aspecto de zx sepectrum de fundo preto e linhas verdes, com direito a tremeliques meio hipnóticos e o leme não funciona. O skipper acha que é falta de óleo e amanhã confirma-se se é ou não.

Se tudo correr como previsto, 6ª feira o veleiro vai para a água e terá o seu teste quando o levarem para a bóia onde ficará fundeado até partirmos. Lamentávelmente não vou poder ir porque estou a trabalhar. As cartas necessárias estão a bordo e essencialmente estamos prontos para partir resolvido o leme preguiçoso e passadas as escotas da genoa e o life line.

pronto. é isto. Faltam as últimas compras, fazer a mala e arrancar.

Da outra viagem, já maior, agora não me apetece falar ou pensar muito nisso. Já sei que não estou com nenhuma doença terminal para além da minha estupidez natural, tenho análises e um atestado que o confirmam. Provalmente meto os papeis de saída ainda esta semana e embarco em Junho. Provavelmente falta dizer mais coisas mas estou cansado por isso logo penso no assunto.

M.

terça-feira, 10 de abril de 2012

p.s.

Até agora não encontrámos cana de pesca. Se não estiver num dos lockers é perto de uma desgraça.

M.

Ponto de situação II

O aluguer de quarto está assegurado de Julho a Setembro pelo menos. É a um amigo que já cá morou uns meses, conhece os cantos à casa, rega-me as plantas quando precisarem e vê-me o correio. Tem a grande vantegem de qualquer um de nós estar à vontade o que implica não ter que me preocupar tanto com "organizar" a casa para um estranho ou estranha.
Há hipótese de alugar um 2º quarto entretanto. Se houver um alugado, excelente. Dois, perfeito.

O passaporte está pronto. As análises estão feitas e vou buscá-las esta semana. Agora é levá-las ao meu médico para que diga a sentença das desgraças que me provoco. A biblioteca aumenta e as coisas estão relativamente organizadas.

Falta agora meter a papelada para saír do trabalho, informar-me de Seguranças Sociais e essas merdas burocráticas, mais um eventual seguro que tenho de pensar se faço. A ver.
Os cancros que vieram do ano passado arrastam-se e estão a precisar de uma terapia intensiva para recuperarem o tempo perdido. Espero que estas duas semanas sejam mais produtivas.

O embarque para Malta está marcado para o 25 de Abril. Tive o privilégio de poder escolher a data de partida. Fui com o P., o skipper.  ver o bote no outro dia. Está em doca seca para pintar o casco o que espero que aconteça esta ou na próxima semana. Não é nada do outro mundo, um Jenneau Espace 1000, um bocado chaço por já ter umas décadas e não revelar uma manutenção brilhante, com aspecto de ter estado mais tempo parado a ser usado como casa de fim de semana do que a navegar. Não vou totalmente confiante com a robustez do bicho e cabos, adriças e escotas que lá estão, mas se o skipper não está preocupado, eu também não. Cheira-me que aquela janelagem toda vai meter água se formos à bolina e apanharmos mar de proa a sério. Mas tudo bem. Logo se vê. O motor pelo menos tem bom aspecto.
Há de lá chegar e depois de atravessar o estreito de Gibraltar, ficamos mais descansados.





Não tem AIS, o que gosto de ter sempre a bordo porque me reconforta saber que à noite sou um triângulo que aparece nos monitores dos super cargueiros que ali circulam em vez de um conjunto de luzinhas no mar e umas manchas no radar deles. Também não tem ploter, o que até me agrada porque assim a navegação vai ser à Carta, coisa que gosto de saber que vou aprender a usar como deve ser.

A porta teve de ser arrombada porque o dono do barco achou boa ideia levar as chaves e documentos para Malta. Antes da acção invasiva, ao espreitarmos lá para dentro ficamos animados por vermos que tinha um posto de navegação interior, ainda que com um leme um bocado foleiro, já que imaginámos nos turnos mais longos da noite ou de mau tempo não ter que se estar sempre lá fora. Ficámos desanimados por verificarmos ao entrarmos que o leme que lá está é meramente decorativo.

Fizemos uma vistoria geral ao material a bordo. Lá está. Barco de passeio de fim de semana, com direito a bibelots. Só faltam naperons. A lista de material em falta é grande mas ainda falta arrombarmos os dois lockers da popa, onde calculamos que esteja grande parte dele. Já sabemos que só leva 130 L de combustivel, o que não chega para não fazermos escalas se o motor for ligado grande parte do tempo. Levamos mais uns quantos litros de combustivel em jerricans que atestaremos em Gibraltar e a partir daí seria bom uma navegação directa. Ainda que  não me desagradasse uma escala de uma noite algures na Sardenha ou Sicilia, também não me desgada a ideia de chegar a Malta a tempo de passar uns dias por lá antes do vôo de regresso.
A lista de mantimentos está alinhavada e vamos às compras este fim de semana. Nos próximos tempos vamos andar à volta do barco a preparar as coisas. Tudo isto é um processo que gosto e faz parte do embarque.

Para já é isto.

M.